terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A gaita nos lábios da fama (parte 2 de 2)



Quem acompanhou a sequência da postagem anterior "A gaita nos lábios da fama (parte 1 de 2)", assistiu uma seleção especial de vídeos de artistas e músicos de talento e fama indiscutível que usaram a gaita em seus shows, gravações, e atraíram atenção de multidões para esse instrumento, levando uma enorme quantidade de pessoas a se encantar com o mesmo, e inspirando muitos a tentar tocá-lo. Inclusive expliquei para quem está começando a tocar gaita, algumas informações técnicas sobre os tons de gaita usados nos vídeos e sua relação com o tom da canção, além de indicar algumas vídeo aulas disponíveis na web com tablaturas e riffs. Agora espero contextualizar, no meu ponto de vista, como artistas consagrados que usam ou usaram a gaita em suas gravações e shows sem aprofundarem nas possibilidades técnicas do instrumento, tal como Bob Dylan, Bruce Springsteen, John Lennon, Alanis Morissette, Shakira, Neil Young, Bryan Adams, dentre outros, podem influenciar multidões a se conformarem com um padrão de som como se fosse a único que o instrumento pudesse atingir.

É curioso notar que, raramente, um músico numa apresentação de responsabilidade, se aventura a tocar em público um instrumento – acordeom, piano, sax, violino, bateria – sem dispor de noção técnica, de estudo do mesmo, mas por algumas razões, isso é bem comum de se acontecer quando se trata da gaita chamada de "diatônica". E isto ocorre não só com artistas famosos. Se por um lado, grandes pop stars deram visibilidade à harmônica de boca, por outro, esta visibilidade parece ter contribuído para difundir uma imagem da gaita como um instrumento supostamente sem muita possibilidade de variação sonora para além daquele som que se ouve tais artistas tocando. Claro que ninguém é obrigado a conhecer as reais possibilidades do instrumento e os músicos gaitistas que realmente exploraram a complexidade e variedade de sons, timbres e recursos em geral que a "gaitinha" oferece. Mas podemos observar que o padrão sonoro do instrumento tocado por celebridades que não estudaram de fato a gaita, onde geralmente se explora ritmo e notas agrupadas  sem maior definição, nem variação de escalas e de efeitos, parece ter se tornado a referência para a maioria das pessoas, como se esse som mais "cru", fosse o único que se pudesse extrair de uma "gaitinha", entende? Então qualquer um que tira uma gaita do bolso e sopra de qualquer jeito displicente é imediatamente aplaudido e considerado um grande tocador de gaita. Consegue deduzir como isto impactaria gaitistas profissionais que estudam à sério o instrumento e dele vivem? 

Há muitas pessoas no meio musical que enxergam a harmônica de boca como um instrumento sem maiores possibilidades – vêem-na quase que como um brinquedinho sonoro – que pode tocar de qualquer jeito; sem técnica; sem cuidado; que não precisa estudar como outros instrumentos; e que só se toca no feeling. Pra quê chamar um gaitista pra gravar ou pra tocar já que o próprio vocalista ou outro músico qualquer da banda pode tirar uma gaitinha do bolso naquela música, fazer uma graça e todo mundo vai aplaudir? Essa cultura da gaita como "brinquedinho fácil" termina sendo disseminada também entre produtores e técnicos de som e de estúdio, donos de bares, etc. Então um instrumento assim não é prioridade, seja na composição da banda, seja na passagem de som, afinal qualquer um pode tocar de qualquer jeito, em qualquer microfone, sob qualquer equalização. A quantidade de situações que desmerecem a gaita e gaitistas é enorme, e quase sempre as pessoas se espantam ao ter a oportunidade de ouvir quem toque de maneira mais refinada, principalmente quando utilizados alguns equipamentos que proporcionam ao instrumento um som mais robusto, fazendo-lhe soar semelhante a uma guitarra.

Na verdade não quero avaliar que seja "errado" pessoas que não necessariamente estudaram gaita a fundo tocarem a gaita sem sabê-lo, nem definir qual som seria "melhor" ou "pior". Longe de querer insinuar que músicos famosos como os citados no primeiro parágrafo não devessem tocar gaita em seus shows, mas apenas venho reforçar um fato: quanto mais músicos famosos arriscam tocar gaita sem estudá-la, sem saber os preceitos básicos do instrumento (embocadura, respiração, articulação); sem deixar claro que se trata apenas de uma graça, um flerte, uma aventura; então, mais eles contribuem para disseminar esta imagem simplória e caricata do instrumento como se isto representasse sua totalidade sonora. Só quem já ouviu o som da gaita tocada por harmonicistas profissionais, sabe reconhecer o verdadeiro potencial de uma "gaitinha" e discernir do som daqueles que estão apenas "brincando" de soprar o instrumento.

Então, pra não restar dúvidas, recomendo pesquisar gaitistas como: Little Walter, Big Walter Horton, Sony Terry, Jerry Boogie McCain, Jason Ricci, Flávio Guimarães, Mariano Massolo, Norton Bufalo, Lee Oskar, Howard Levy, John Popper, Brendan Power, Ivan Márcio, J.J. Milteau, Sugar Blue, Mark Ford, And JustNatacha SearaTiffany Harp, Indiara Sfair, Christelle BerthonJefferson Gonçalves, Robson Fernandes, Marcelo Naves, Sérgio Duarte, Vasco Faé, Otávio Castro, Paulo Prot, Julio Rego, Marcio Maresia, dentre tantos outros harmonicistas que se destacam mundo a fora! Depois de ouvir o som deles, volta no post anterior, compara, e perceba a diferença. 


Um comentário:

Crislene Maria Stos Czinar disse...

Huum!! Interesse a colocação acima. Eu mesmo não sabia que a gaita tem todo o potencial técnico de harmonias. Nos vídeos do projeto Papo de Gaita senti o potencial deste instrumento. A gaita que o Ramon toca faz uma diferença que eu não conhecia.